sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (008) Em nome de um suposto registo “para memória futura”, como hoje está na berra dizer-se, “ousei”dar à estampa, no Notícias de Famalicão, e "repeti, depois, no Entre Vilas, uma “croniqueta” de minha lavra, mas de generalizado conhecimento das gentes de Joane, em torno de cuja vida em certa medida girava. Confesso que não é meu costume “tripetir” prosas mas, até por dizer mais respeito àquela população, como acima invoco, resolvi abrir esta excepção, no conhecimento que tenho de que, em Joane, não serão tantos assim os assinantes daquele Notícias de Famalicão. Espero que o prazer que os meus amigos sintam na respectiva leitura me relevem o “atrevimento”. Então, é assim:- Ainda não decorreram assim tantos anos para que as pessoas não se recordem de um estabelecimento ali para os lados de Vila Boa, de Joane. Estava instalado naquele prédio antigo, rés-vés com a estrada nacional, onde depois funcionou o posto médico da Segurança Social, e hoje se encontra desocupado e degradado, ameaçando ruína. Se me fosse pedido que caracterizasse tal estabelecimento, eu diria que se tratava de uma “venda”, pois tinha de tudo, desde mercearia a adubos, desde vinhos a ferragens, desde calçado a bijuteria. Era seu proprietário um fulano bem conhecido pelas suas traquinices, que muita gente, não querendo ler o humor das coisas, catalogava de tratantadas. Já faleceu e, que eu saiba, não deixou prole, embora me pareça que a senhora sua viúva seja viva e pensionista ali pelo lar das Misericórdias de Famalicão. Quem com ele privasse conhecia-lhe bem a “queda”, mas quem dele se abeirasse esporadicamente não lha adivinhava face à sisudez do porte. Fui testemunha de algumas das pitorescas histórias que vou contar, mas outras há que conheço apenas de ouvir dizer. Passado este tempo todo, não arrisco separar umas das outras para não correr o risco de ser traído pelas memórias. Já naquele tempo havia uns certos figurões que mandavam vir um bijú e um bagaço para o mata-bicho, ou meio quartilho de vinho tinto e um papo-seco para a sossega, mas rapavam de meia dúzia de figos da ceira, ali à mão de semear, jamais os acusando na hora de pagar a conta. O merceeiro via mas, moita carrasco, nem um pio. No entanto, de tanto ver desaparecer os figos à borla, resolveu rechear os ditos que ficavam por cima na ceira com o miolo de bravas malaguetas, depois de lhes aplicar um finíssimo e indetectável golpe de lâmina. Oh, diacho! Para o que lhe havia de dar!... Figo na boca era lume certo pelas goelas abaixo, e nem o bagaço nem o meio quartilho de tinto logravam apagar-lhe as labaredas, secar-lhes as lágrimas em torrente assomadiças ou avivar-lhes a voz do urro não gritado!... Como o “vendeiro” não se descosesse e o seu físico não convidasse a grandes fanfarronices, lá perdia o freguês a mania de lhe “mamar” os figos de borla, e o comerciante começava, por fim, a ver o lucro do produto!... Mas não se ficavam por aqui as travessuras do nosso amigo. Um conhecido meu, daqueles “promovidos a empregados de escritório” na empresa e que, portanto, já exibiam gravata e tudo, dirigiu-se-lhe a meio da tarde e lhe perguntou se tinha algo para meter à boca, ao que o nosso tasqueiro disse que sim e, rapando-os de debaixo do tampo do balcão lhe apresentou, acto contínuo, uns freios... de burro!... Outro, vindo da feira onde tinha comprado para dar à legítima um relógio de parede, coisa rara e cara naqueles tempos, ao passar pela tasca a caminho de casa, sita ali pela Labruge, lá parou para beber um copo e dar uma espreitadela à mesa da sueca, tendo poisado num canto do balcão a caixa de sapatos onde o relógio vinha acondicionado. Com o seu “falso” ar bonacheirão, lá lhe atirou o comerciante:- “Com que então, sapatos novos”?!... Não, qual quê!... É um relógio p’rá patroa, que nunca sabe a quantas anda para me preparar o almoço, e... bem sabe como é! Quem anda por horários... Matutou o nosso herói e, conseguindo-lhe uma caixa igual – o que até nem foi difícil porque no estabelecimento também vendia sapatos, a recheou com duas “canhotas” e substituiu a original. Imaginem a cara da mulher ao receber tal prenda!... Boa, também, foi aquela, pouco antes das seis horas da matina de um domingo de verão. A estrada ainda era de paralelipípedos, e o nosso homem resolveu plantar-lhe na guia uma nota de vinte, daquelas verdinhas que depois foram substituídas pelas do Santo António, aquela que, diziam, só valia dezanove e quinhentos porque faltava uma coroa ao santo. É claro que, ao tempo, era muito dinheiro e o nosso merceeiro tinha fama de “unhas de fome”, pelo que colou à nota uma sediela, daquelas que se usavam nas canas de pesca, e fez passar a outra ponta por debaixo da porta envidraçada onde estabeleceu o seu ponto de observação. Nisto, lá vem para a missa dominical uma senhora que, ao ver a nota, olhou desconfiada para trás e, não se vendo observada, lá se agachou para a apanhar. É o apanhas, porque o espertinho deu um esticão à seda e a nota voou para longe, iludindo a senhora, que atribuiu o facto a alguma rabanada de vento. Deu-se a segunda tentativa, mas o ladino também não lha consentiu. À terceira, quando a mulher se aprestava para lhe pôr a chinela em cima, viu a nota a esgueirar-se por debaixo da porta fazendo-a entender o embuste e, emproada, tentasse esconder-se do ridículo porque a esparrela a fizera passar. A meio da manhã, quando o marido da “enganada” regressava da missa das nove, resolveu o merceeiro gozá-lo também, dizendo-lhe que se virasse aquela nota para o sol, em contra-luz via-se um fulano a andar de bicicleta. O homem lá experimentou e mirou e remirou, mas passado um bom bocado foi obrigado a confessar que não via nada. Pois não, lhe atira o engraçado!... Ao tempo que já vai, o ciclista já passou a Labruge há muito!... Mas o que eu queria contar a vossas excelências era outra história. Apareceu na citada venda um cigano montado numa égua velha e meio escanzelada. Apeando-se, prendeu a cavalgadura pela arreata a uma das argolas que para o efeito a parede do estabelecimento ostentava. Entrou, deu os “bôs dias” e pediu um prato de bacalhau com grão de bico, que era o prato que estava a sair, e meio quartilho de vinho. Aviado o pedido, indagou do vendeiro se não teria algum pão recesso porque queria dar uma sopa de vinho à burra, que estava teimosa e não queria prosseguir. Que sim, mas não tivesse o cigano cuidado porque com ele a burra andava mesmo, com sopa de vinho ou sem sopa de vinho. Perante a incredulidade do cigano que já desatara a besta, vai o nosso amigo e passa-lhe por debaixo do rabo um pincel embebido em aguarraz. Nem queiram vossas mercês saber!... A burra empinou-se, escabritou e desarvorou em correria louca em direcção à Labruge, e não houve quem a segurasse. Não sei se teria parado no acampamento que a ciganagem sempre ali armava, atrás daquele fontanário que, embora enterrado ali pelas bombas de gasolina ainda existe e bota água, se boa ou má desconheço, mas em quantidade, ao contrário de aqueloutro que, pertíssimo da tasca de que estamos a falar, em quadro de lindíssimos azulejos retrata a Samaritana e já não bota caudal que se veja!... Servia esta história, dizia eu, para desmascarar mais uma das mentiras com que os políticos a que temos direito nos vinham tentando enganar, pois, como se podia ver, até os burros mudam!... Ontem como hoje, a história ainda é carapuça que se apresente!... Não acham os meus amigos? Bem, não levem a mal o devaneio, divirtam-se e... desculpem qualquer coisinha!...

1 comentário:

  1. Nada (nem coisinha alguma) temos para desculpar.

    Ora mais uns textos que merecem ser lidos com calma e toda a atenção.

    Passarei em breve e com tempo para o fazer.

    Abraço
    Jonel

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