quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (011) Sem que me recorde nitidamente do sonho em que até então vogava, fui bruscamente acordado por algo que me pareceu um estrondo. Estremunhado, na “ideia” ficou-me uma sensação de perda, o que me fez pensar que o sonho interrompido não teria sido desagradável de todo!... Mas logo a mente me ficou em estado de alerta para descobrir a causa do meu despertar. Pulei da cama sem acender a luz, e dirigi-me à janela de uma saleta da frente da casa para ver o que se teria passado, pois parecera-me um “estampanço”. E fora mesmo. Um “bólide” havia-se zangado com a parede do quintal ao lado, que se apresentava meio derrubada. Não reconheci o carro nem os ocupantes, nem me pareceu haver feridos graves. De resto, já lá estavam dois ou três vizinhos meus, por certo padecentes de insónias, em calças de pijama, a mirar o sucedido, quiçá a “orçamentar os prejuízos” e a debitar opiniões. Pareceu-me ser dispensável, de todo, a minha presença, pelo que prestes regressei a “vale de lençóis”, dando-me conta de que pouco passava das cinco horas da madrugada antes de novamente “ferrar o galho”. Mas o sonho fora-se, e o sono solto virou sornice. Até que, como habitualmente e desde há cerca de década e meia, o rádio me acordou às sete da matina. E, como de costume, lá me deixei ficar no bem-bom até às oito, altura em que a programação do “alarme” do aparelho lhe cortou o pio. Meio ensonado, ainda, acendi a lâmpada, pisquei os olhos “agredidos” pela luz e, em jeito de espreguiçadela, esfreguei-os na tentativa de os libertar das últimas remelas, enquanto esticava os braços e as gâmbias. Pontapeei os lençóis para traz e “toca” de saltar do ninho, que a temperatura até nem estava desagradável de todo. Aberta a portada da janela, logo o quarto explodiu em jorros de luz e em bulícios de vida. O carro continuava lá em baixo, rodeado de mirones, com a frente espremida contra o muro e a traseira na faixa de rodagem, qual touro fulminado ao investir na muleta. O dia prometia. E foi um “tipo” desempoeirado e bem disposto que se aprestou para a higiene matinal, naquele Sábado de Maio de dois mil e cinco. Enquanto procedia às abluções, e à falta de um “programa” previamente traçado, pus-me a magicar na forma de ocupar o nascedio dia. Estávamos ainda nos princípios do mês e a reforma, conquanto exígua, já era capaz de ter sido transferida para o banco!... Havia de ir conferir e, depois, logo se veria. É que nisto de dinheiros, é que vai uma crise!... Bem sei que a situação de penúria não toca a todos, pois é do domínio público o montante dos ordenados chorudos dos políticos, e o bambúrrio que uns quantos ditos “gestores” empocham. Os primeiros, com uns bons milhares de euros mensais por se levantarem umas quantas vezes (...poucas,... poucas!...) na Assembleia da República, consoante a indicação do partido, desconhecendo em absoluto muitas vezes os assuntos apresentados à votação, tanto mais que aproveitam o tempo de debate para pôr a leitura do jornal em dia, ou cochilar da noite mal dormida mas bem passada;... e os segundos, feitos ídolos da “descoberta da pólvora”, com mais lugares em conselhos empresariais do que de horas tem o dia!... Isto é que vai um caso sério, hem?!... Como “o produtivo” está cada vez mais pobre, está-se mesmo a ver para onde vai o produto!... Retirada a “lata” da garagem e fechada a respectiva porta, que ainda é manual, e indiferente ao magote de gente que tagarelava junto ao carro amassado, lá abalei para tomar a habitual “meia-de-leite” morna, normal e com adoçante, no café do costume, e comprar os diários da ordem, um de notícias e outro desportivo. E, também como de costume, voltei a “não querer comprar” a revista que, aos sábados, nos é “impingida à boleia” do periódico, gabando-se depois os seus mentores de miríficas “tiragens”, à custa das quais são capazes de auferir boa maquia!... Tornou-se, aliás, demasiadamente banal e costumeiro os jornais “enfiarem-nos” a reboque artigos que nada terão a ver com as notícias, e que estávamos longe de querer adquirir. Só depois verificamos da cor política e ideológica dos fazedores da “coisa”, e da falta de qualidade dos artigos oferecidos, prefigurando mesmo o uso e abuso de publicidade enganosa. O preço pouco menor é que o que qualquer escaparate ostenta, apesar da “grande tiragem” que do “artigo” se faz, e a qualidade, normalmente, é muito inferior. Pois é, mas quem ganha é o “amigo do peito”, como ainda agora com “As Freguesias de Portugal” – um “trabalho” vulgaríssimo, incompleto e fantasioso -, ou como um certo Atlas, que nos informa ser a ilha do Sal capital de Cabo Verde!... Isto para não falarmos de uma História de Portugal, que se anunciava de vinte volumes, mas que afinal se resume a dez, mais dez de personalidades, acabando por se transformar em trinta, com mais dez de bibliografia!... É assim que se “estica” a fama do autor, e se lhe reconhece monetariamente um mais que problemático valor!... Mas, voltando à vaca fria, dei uma mirada na primeira página do desportivo e resolvi lê-los mais tarde, optando por arrancar em direcção a Guimarães. Primeiro, para passar na caixa automática do banco, e segundo, à espera de inspiração para escolher um rumo. Que, ao chegar à rotunda da ponte de Brito, escolhi ser a Póvoa de Lanhoso, mais propriamente a freguesia de Garfe, de onde sou natural. Contornei à esquerda, para Brito, segui por Vila Nova (de Sande) e depois da ponte de Borrecos cheguei a Caldas das Taipas. Era cedo, ainda, e estacionei no parque citadino à sombra dos carvalhos, quedando-me a ouvir música e a admirar os passantes, antes de desentorpecer as pernas no parque ribeirinho. O parque estava limpo, o que nem é de admirar àquela hora da manhã, altura em que os utentes são poucos, e ainda cheirava a relva orvalhada. O ar rescindia a primavera, e as águas do rio Ave, conquanto sujinhas da silva, ainda não fediam. Caminhei pelo estreito carreiro ao longo da margem até às antigas termas e voltei, sorvendo aquela atmosfera que o ambiente rio/árvores/relva/orvalho nos oferece amalgamada e nos lava a alma. Saí pelo recinto desportivo e subi a alameda até ao espaço da feira. A hora do almoço aproximava-se, e estive tentado a ir saborear um bacalhau com batatas a murro no “Fertusinhos”, sobranceiro ao espaço ajardinado. Costumo lá abancar muitas vezes, mas nesta altura achei que ainda era cedo, e nem me apetecia por aí além o tal bacalhau. Se calhar, seria preferível ir ao Príncipe Parque, onde na cozinha pontifica a senhora Rosa Macedo, e às mesas o seu marido. É de preço um pouco mais elevado, mas compensa pela variedade dos pratos e das bebidas. Enquanto assim cogitava, tinha descido a alameda pelo lado da piscina e estava já junto ao pópó, a admirar um par de “tenistas” feitos à pressa que utilizavam um dos campos, sem que o apetite nem a fome me dessem especial cuidado. Sentei-me no carro, de porta e vidros abertos, e pus-me a ler as notícias. Que terminei antes da uma hora, sem que as papilas gustativas pendessem para qualquer sabor. À falta de melhor, mas atido à voz popular que nos diz que “no comer e no coçar, tudo vai do começar”, tornei à ideia inicial e subi a alameda, virando à direita para S. Cláudio do Barco a ver no que dava a fome ou a vontade de comer, uma e outra sem dar sinal de si. Passei no “Xico da Rabata”, mas passei e andei, porque ainda não há muito tempo me haviam negado o “tacho”, alegando que eu não telefonara a marcar, embora estivesse quase vazio. Come-se bem, principalmente um pica-no-chão de cabidela, e o vinho, normalmente é do melhor. Mas, “prontos”, para quem não quer há muito, e se num lado se paga, noutro dá-se dinheiro. E logo eu, que nem sou dos que mendigo lugar para almoço. Passei pela pontezinha das cozinheiras, uma tasquinha especializada em sardinhas e vinho que “visito” por vezes para meter uma bucha, nanja para almoçar ou jantar, que não é casa disso, e estive para voltar à direita para a igreja de Barco. Tem por lá dois restaurantes com certa fama, embora eu goste mais da tasquinha, onde, não tão raramente como isso, costumo ir petiscar um bacalhau desfiado, aquilo a que nós chamamos popularmente “uma punheta de bacalhau”, e em que aquela gente é especialista, porque, dizem a brincar, a fazem com as duas mãos. Também servem almoços e jantares, mas não é muito atractivo nessa área, a não ser que se encomende previamente, o que, como já afirmei, não costuma ser o meu caso. Continuei a marcha, e lembrei-me de ir “tachar” ao “Mafra”, ali em Santo Estêvão de Briteiros, na esquina para quem segue para a Citânia ou para o Sameiro. É um restaurante do meu amigo João Mafra, onde pontifica a sua esposa D. Alicinha, ajudada pelos filhos, um casal de simpáticas mocetonas e um rapaz. A especialidade da casa é o “cabritinho ou a vitela no forno”, e o vinho é verde regional e de alta qualidade. Outra coisa que eu gosto lá, é da “cabidela” de miúdos de cabrito, e muitíssimas vezes telefono a ver se tem, antes de lá abancar. Parei, mas infelizmente nesse dia não tinha, pelo que dei uma de despedida à francesa e continuei para a Póvoa de Lanhoso. Cheguei a Donim logo, logo, mas lá não conheço restaurante que se recomende. O mesmo já não acontece no largo acima, em Santo Emilião, à volta da igreja, onde se come bem em uma ou duas casas, mas onde se deve ir acompanhado. Quando não, não se consegue consumir a quantidade que vem para a mesa, o que parece mal e é, até, pecado deixar no prato. Assim, virei à direita, atravessei a ponte e segui para Gondomar, breve me encontrando na rotunda/cruzamento de S. Roque e da Roda, em Garfe, minha terra natal, já do concelho da Póvoa de Lanhoso, e onde se pode bem confortar o estômago, quer num dos restaurantes, quer na famosa “tasquinha dos mudos”, ali na rampinha do lugar da Costa, fronteiro ao lugar da Devesa onde os meus olhos viram a luz do dia pela vez primeira, e onde por encomenda se prepara um óptimo bacalhau racheado, que se pode “demolhar” com o mais primoroso “tinto” da região, como o seu proprietário, meu amigo e quase parente “Nequinha” faz questão de apresentar. Os ponteiros caminhavam já para a hora e meia da tarde e, como por preguiça nada encomendei, resolvi que iria almoçar no meu amigo Luís. Tinha-me lembrado do bacalhau nas Taipas, voltei a lembrar-me do bacalhau dos mudos, pois iria comer mesmo o bacalhau. Desci para Arosa e atravessei a ponte para a Póvoa de Lanhoso, virando logo no fim do tabuleiro à direita, para Castelões, onde, junto às escolas, “O Luís” se esconde. “O Luís” é uma casa grande de habitação, em que o rés do chão funciona em parte como café, e como casa de pasto na restante. É especializada em “bacalhau com batatas a murro” e em “tripas à moda do Porto”, em “anho” assado no forno e “polvo na brasa”, não lhe sendo de desprezar também a vitela assada, normalmente com muito bons vinhos verdes da região para acompanhar, e um pudim “à Maria José” para sobremesa. Na cozinha, reina a jovem senhora D. Maria José, e no serviço dá cartas o Luís, seu marido, ajudado pelos dois filhos e por outros familiares, com o pai do Luís, apoiado na vara de espevitar as brasas, a vigiar o lume e a assadura do polvo e do bacalhau. Não possui mesas individuais, mas mesas compridas servidas por escabéis corridos a todo o comprimento. E se se come bem!... No fim do repasto, arranjaram-me um parceiro “ad hoc” para fazer duas de sueca contra o Abel e o Constantino - aquele, irmão do Luís e este cunhado de um parente meu -, os quais formam um par de adversários bem forte. Não que sejam imbatíveis, não senhor! Muito longe disso, até, mas “manhosos” que baste. São dos tais que “nem olham para as cartas” nem nada, tanto lhes fazendo ganhar como perder (...querias!...), mas se o adversário se descuida, apanha “chitos” em cima de “chitos” à respectiva baralha, porque os trunfos, “por acaso”, vão parar todos às mãos deles!... Uns brincalhões, é o que são!... Nem me recorda como ficamos, mas creio que perdi por uma partida. E a tarde já ia a meio quando resolvi arrancar. Fi-lo em direcção a Sobradelo da Goma, onde tenho parentela, e desci até à Barragem das Andorinhas, mas aquilo está muito abandonado e sujo. A casa da central está a perder a “caliça” e tem os vidros das janelas quase todos partidos à pedrada. O largo está lá, sim senhor, e tem ao centro o mesmo castanheiro. Também os pessegueiros bordejantes estão no mesmo sítio, mas o espaço encontra-se emporcalhado com restos de preservativos a esmo e trastes velhos espalhados pela ribanceira. Aquilo que era um recanto aprazível e calmo, passou a ser local não recomendável, porco e mal-cheiroso. Deixei de o poder recomendar. “Tristérrimo”, dei mais uma mirada ao açude e abandonei o local, seguindo pela estrada de Rossas até ao desvio para Travassos, onde pensava ir visitar familiares, mas não virei. Segui até ao entroncamento da estrada Póvoa/Fafe, mas, em vez de virar à esquerda para Porto d’Ave, rodei por Simães, em Fontarcada, e continuei sem parar para a Póvoa de Lanhoso. Não que não tivesse gostado de ter ido visitar o mosteiro da Senhora do Porto, com o seu maravilhoso calvário, em Porto d’Ave, nem que não tivesse gostado de percorrer o seu frondoso parque, mas de lá ou voltava para trás ou seguiria para Arosa, onde já tinha passado à vinda. Arosa é uma terra que, juntamente com Castelões, pertence ao concelho de Guimarães, embora se situe para lá de Garfe. Para lá de Garfe e para além de Serafão, sendo esta a primeira terra do concelho de Fafe. São terras, aliás, que me lembram os tempos da minha inspecção militar, e me trazem à memória recordações indeléveis. A primeira vez que estive em Arosa, por exemplo, foi na noitada de uma romaria de Santo Amaro, no largo da capelinha de seu nome, festa que é o “ex-libris” da terra. Naquela altura o trânsito era mínimo, e os romeiros ocupavam a estrada despreocupadamente. Não sendo eu um amante deste tipo de coisas, lembro-me que admirei a simpatia oferecida das moçoilas romeiras, ri-me da sua brejeirice inocente e sincera, e nem me chateei com o autêntico banho de brilhantes com que me inundaram o penteado. Ainda hoje retenho a ideia, e disso faço gala, que não há moça mais simples e sincera que as naturais das terras de Maria da Fonte. Quanto a Serafão, pois já então ia lá imensas vezes, já que o meu pai era de lá natural, descendente da família do morgado, ali por Vila Nova. A casa onde nasceu e que se mantém na família ainda hoje, ostenta gravado na portada o ano de 1805 como data de fundação, o que me garante que já o meu avô lá teria nascido também. Está na posse da tia “Micas”, viúva do meu padrinho e única ainda viva. Era uma família numerosa e rica, a julgar pelos bens que detinha e que, como disse, ainda se mantêm na família, embora dispersos por inúmeros herdeiros. Que visito amiudadas vezes e com quem mantenho os melhores laços familiares. Já em Garfe, só me lembro de visitar uma vez a casa onde nasci, tinha oito ou nove anos. Era habitada naquela altura pela minha madrinha de baptismo, a “Miquinhas Flor”, que também já faleceu. Por vicissitudes da vida a casa foi depois vendida, e nunca mais lá fui. Também a família materna se dispersou, pelo que são poucos os parentes a visitar, tanto mais que a minha mãe só tinha uma irmã.

1 comentário:

  1. Snr. Amancio

    Ao ler este texto, somos levados a viajar
    por terras e lugares na sua grande parte desconhecidos, pelo menos para mim, mas assim
    relatados fácilmente nos inserimos na paisagem.
    O seu estilo de escrita aqui pode ser comparado ao do Eça.
    Agora meu bom amigo, sorte a minha já ter feito uma refeição boa a esta hora, caso contrário estaria aqui com água na boca.

    Cumprimentos
    Jonel

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