quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (010) Nos finais da década de sessenta, inícios de setenta, a vida associativa de Guimarães centrava-se no Café Toural, ali entre o Café Oriental e a Drogaria Garcia. Ainda se não tinha dado a “diáspora” surgida como resultado de um tal vinte e cinco de Abril de mil novecentos e setenta e quatro. Sim, porque até àquela revolução, dita dos cravas, não havia bicho careta que aos sábados, logo logo a seguir ao almoço, não comparecesse no Café Toural. E nem se diga que era por causa da pinga, porque o velhinho senhor Manuel, entretanto já falecido, não servia copos, e eram muito raros os clientes “apreciadores” de whiskies. Normalmente ficávamos pelo café com cheiro, ou pelo café e meio bagaço ou, então, os mais endinheirados pelo café e brandy. Acontecia, até, que um sujeito que nós cá sabemos pedia um café em chávena grande, para nele amolecer o bijú que trazia no bolso!... O que fazia a “maralha” juntar-se eram as novidades da semana, um cafezito de doze tostões cujo pagamento era acérrimamente disputado ao trinta e um, mais tarde substituído pela “moedinha”, porque esta não gastava “papel”, e o são convívio onde não havia ricos nem pobres, coronéis ou magalas, doentes ou doutores, industriais ou operários. Era ritual mais que aceite, e estou em crer que ao facto de o centro nevrálgico se fixar naquele vetusto café não seria alheio de todo o ar familiar e aconchegado daquele estabelecimento. Porque havia outros cafés e, se calhar, até mais modernaços, mais abertos e melhor decorados, e onde também se jogava forte e feio. Fosse pelo que fosse, porém, era no Toural que se juntava a malta, e muitíssimas vezes aconteceu que o serão se prolongou para além das duas da matina, quer o tempo se tenha passado a jogar o “solo”, a “marimba”, o “burro americano”, a “loba”, a “sueca”, um simples joguinho de bilhar - “eight ball”, “livre”, “snoocker”, “sargento”, “pratinho” ou “trinta e um” -, ou, até, simplesmente a “mirone”, porque “há olhos que partem vidros”!... No “encerramento” era certo e sabido que íamos “dar-ao-dente” numa das tasquinhas circundantes, tratasse-se dos “Caquinhos”, do “Monteiro da tulha”, ou do “Miranda” na Oliveira, dado que a “Imperial”, a “Clarinha”, a “Docélia” e outros já tinham fechado as pestanas para dormir há muito tempo!... Depois era um ver se te avias para regressar, porque pouquíssimos tinham carro, e àquela hora os transportes públicos já tinham ido descansar e os poucos táxis da praça não davam vazão às “meninas”!... Que saudades do “ourado” ou das “escadinhas”, ali pelas travessas da Egas Moniz, casas que a “outra senhora” mandou fechar em trinta e um de Dezembro de mil novecentos e sessenta e um!... Para moralizar costumes?... Só contaram p’ra vocês! Se houve qualquer moralização foi “dentro” daquelas casas. Isto, porque o parque do castelo foi que as substituiu, com a agravante da rua das muralhas se transformar em local de engate e de poucas vergonhas, porque o cio não é de hoje, e a chamada “Robialac” não podia ficar à vara!... E isto para se nem falar nos riscos que “carnes sem carimbo” então representavam e ainda hoje representam!... Está claro que as distâncias, para “machos” com menos de trinta anos, não são obstáculo a ter em conta, e muitas vezes aconteceu termos recorrido ao veículo de motor “vá-a-pé” para “toparmos” a casa a tempo de irmos à missa da manhã. A cama, essa, muitas vezes nem desfeita era!... Lembro-me de uma das vezes em que uma parte de nós, os casados na maioria, resolveu por volta das três da matina ir embora “a butes”, enquanto outros ficavamos nos copos e na tagarelice. Fomos à missa das seis na igreja de São Domingos, e “apanhamos” depois a camioneta das sete, que fazia a carreira para o Porto. O sono era tanto, que um dos nossos “ferrou o galho” durante toda a missa com o cotovelo enfiado na pia da água benta. Lá ressonar, ressonou e, apesar do frio, não foi a água que o acordou. E lembro-me dessa vez, porque quando cheguei a casa tinha a porta fechada. É que a “famelga” tinha resolvido ir ao Sameiro a pé. Valeu-me o barraco das canhotas” para arrancar uma incómoda “dormidela”, a bater o dente com frio!... Mais tarde apareceram uns endinheirados que remodelaram aquele café, mas ficou sem sainete nenhum. Perdeu a clientela toda e deixou de ser poisio dos amigalhaços, que bateram asas para outros ninhos. Hoje parece que está transformado exclusivamente em hotel, não se me dando se com rentabilidade que se veja ou sem ela. Voltando ao tempo das tertúlias do Café Toural, que é o que para aqui me traz, não resisto a contar um par de histórias com que entretínhamos as tardes de Sábado. Temos aquela de o senhor Manuel mandar o empregadito à drogaria Garcia, que lhe ficava ao lado, buscar dois rolos de papel higiénico para as casas de banho do café. E o rapaz lá chegava à drogaria e pedia alto e bom som “dois rolos de papel para limpar o cú”. Ao que o bonacheirão do Garcia lhe rogava para que numa próxima vez pedisse papel higiénico, para não parecer mal. Que sim, sim senhor, lhe prometia o garoto, que andaria pelos onze/doze anos. Qual trabalho infantil, qual carapuça!... O que era preciso era o moço estar ocupado e ganhasse o sustento. Mas, no dia seguinte, já se tinha esquecido e voltava a pedir os tais dois rolos de papel para limpar o cú, estivessem os clientes que estivessem, e o Garcia lá lhe pregava outro sermão. Até que, à terceira vez, o rapazito sempre se lembrou e, todo ginjeiro, lhe pede dois rolos de papel higiénico. O senhor Garcia ficou “todo cuntente” e lhe pergunta se era para embrulhar. Que não senhor, lhe torna o fedelho, era p’ra limpar o cú!... Depois, tínhamos aquele “amigalhaço” solteiro, que trabalhava na tipografia e era caçador inveterado na época da caça. E que na mesa do café “caiu na asneira” de se gabar de ter morto dois coelhos que eram um espectáculo e que a mãezinha já tinha amanhado para servir de jantar nesse dia, mal chegasse do trabalho. Vai o outro “bacano”, seu encarregado na oficina, e arranja-lhe forma de “precisar de horas extras” nesse dia. Mas que estivesse descansado, porque depois do trabalho iam comer uns “coelhitos à caçador” no Monteiro, e ele estava desde já convidado. Nos entretantos, combina com um colega que logo foi “endrominar” a mãe do caçador. E esta, na sua boa fé, lhe entregou os bichos “a mando do filho”. Está claro que o nosso caçador apreciou o jantar e não se poupou. Até foi ele que pagou o vinho. O pior foi quando descobriu de onde tinham vindo as tais peças de caça que tanto apreciara!... O que vale é que os amuos entre homens não duram muito. Numa outra altura, vai outro que informa os amigos de que tinha trabalhado como o caraças nessa manhã, mas que à noite ia “papar” um arrozito de grelos com um “chouriço” caseirinho, do seu fumeiro. Pensando rápido, o nosso amigo lá lhe diz que tal tem de ficar adiado para outro dia, porque nesse Sábado iam ao “Florêncio” comer precisamente um salpicão com um arroz de grelos e estavam a contar também com ele. Obtida a concordância, tratou o “artista” de mandar alguém a casa do “fala barato” a, em nome dele, pedir à patroa para lhe mandar dois bons salpicões, porque ia ter um encontro com os amigos, e o planeado arroz ficava para outro dia. Está claro que ele adorou o tal arroz de grelos, e até disse que os salpicões estavam tão bons como os dele. E ao pagar a dolorosa, não se importou de pagar sozinho o tintol!... Claro, depois amuou, mas já não resolveu nada!... Mas nestas peripécias, aconteciam coisas do arco da velha. Numa manhã de Sábado aconteceu uma prova de atletismo no estádio do Braga e nos terrenos anexos, e lá fomos cinco ou seis numa Ford Transit de um amigo assistir às provas. Findas as competições perto da uma hora da tarde regressávamos a Guimarães para o almoço. Ao passar por Balasar, ali pelos tanquinhos, estava uma família a “piquenicar” à fresca, e o nosso homem businou em jeito de cumprimento, ao que o chefe do clã ergueu uma coxa de cabrito em gesto de oferta. O que o homem foi fazer!... Estaca o nosso amigo, sai do carro, e em jeito descarado lhe pergunta se era oferta. Que sim, senhor, lhe retorna o homem sob o olhar de aprovação da cara metade e de contentamento da filhota, únicos componentes do rancho. Eh, malta, venham daí, convida-nos o “motorista” com todo o desaforo. E, a verdade, é que não sobrou nada das vitualhas nem do vinho!... Se a família de Chaves estava a pensar lanchar do farnel, bem se tramou!... Infelizmente, depois do tal vinte e cinco de Abril tudo se modificou. Fosse pelo apagamento do tal café, fosse pelo exacerbar das ideologias políticas e partidárias, fosse pelo campear dos sindicalismos desenfreados, a maralha dividiu-se em diferentes grupos. Uns foram para o Alameda, outros para o Oriental, alguns para o Milenário, outros tantos para a Ribela. Diz-se que antes não havia liberdade mas, nascida esta, surgiram óbices sem conta e os “frangos” viraram “galos”, o que nos impulsionou a seleccionar companhias, porque ainda é válido o “diz-me com quem andas...”

1 comentário:

  1. Excelente crónica esta, os ambientes da rapaziada mais chique do Burgo Vimaranenese e arredores, não falha nenhuma das casas mais emblemáticas da nossa Cidade.
    Adorei aquela do cotovelo enfiado na pia da água benta.
    Muito bom!

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