quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (011) Sem que me recorde nitidamente do sonho em que até então vogava, fui bruscamente acordado por algo que me pareceu um estrondo. Estremunhado, na “ideia” ficou-me uma sensação de perda, o que me fez pensar que o sonho interrompido não teria sido desagradável de todo!... Mas logo a mente me ficou em estado de alerta para descobrir a causa do meu despertar. Pulei da cama sem acender a luz, e dirigi-me à janela de uma saleta da frente da casa para ver o que se teria passado, pois parecera-me um “estampanço”. E fora mesmo. Um “bólide” havia-se zangado com a parede do quintal ao lado, que se apresentava meio derrubada. Não reconheci o carro nem os ocupantes, nem me pareceu haver feridos graves. De resto, já lá estavam dois ou três vizinhos meus, por certo padecentes de insónias, em calças de pijama, a mirar o sucedido, quiçá a “orçamentar os prejuízos” e a debitar opiniões. Pareceu-me ser dispensável, de todo, a minha presença, pelo que prestes regressei a “vale de lençóis”, dando-me conta de que pouco passava das cinco horas da madrugada antes de novamente “ferrar o galho”. Mas o sonho fora-se, e o sono solto virou sornice. Até que, como habitualmente e desde há cerca de década e meia, o rádio me acordou às sete da matina. E, como de costume, lá me deixei ficar no bem-bom até às oito, altura em que a programação do “alarme” do aparelho lhe cortou o pio. Meio ensonado, ainda, acendi a lâmpada, pisquei os olhos “agredidos” pela luz e, em jeito de espreguiçadela, esfreguei-os na tentativa de os libertar das últimas remelas, enquanto esticava os braços e as gâmbias. Pontapeei os lençóis para traz e “toca” de saltar do ninho, que a temperatura até nem estava desagradável de todo. Aberta a portada da janela, logo o quarto explodiu em jorros de luz e em bulícios de vida. O carro continuava lá em baixo, rodeado de mirones, com a frente espremida contra o muro e a traseira na faixa de rodagem, qual touro fulminado ao investir na muleta. O dia prometia. E foi um “tipo” desempoeirado e bem disposto que se aprestou para a higiene matinal, naquele Sábado de Maio de dois mil e cinco. Enquanto procedia às abluções, e à falta de um “programa” previamente traçado, pus-me a magicar na forma de ocupar o nascedio dia. Estávamos ainda nos princípios do mês e a reforma, conquanto exígua, já era capaz de ter sido transferida para o banco!... Havia de ir conferir e, depois, logo se veria. É que nisto de dinheiros, é que vai uma crise!... Bem sei que a situação de penúria não toca a todos, pois é do domínio público o montante dos ordenados chorudos dos políticos, e o bambúrrio que uns quantos ditos “gestores” empocham. Os primeiros, com uns bons milhares de euros mensais por se levantarem umas quantas vezes (...poucas,... poucas!...) na Assembleia da República, consoante a indicação do partido, desconhecendo em absoluto muitas vezes os assuntos apresentados à votação, tanto mais que aproveitam o tempo de debate para pôr a leitura do jornal em dia, ou cochilar da noite mal dormida mas bem passada;... e os segundos, feitos ídolos da “descoberta da pólvora”, com mais lugares em conselhos empresariais do que de horas tem o dia!... Isto é que vai um caso sério, hem?!... Como “o produtivo” está cada vez mais pobre, está-se mesmo a ver para onde vai o produto!... Retirada a “lata” da garagem e fechada a respectiva porta, que ainda é manual, e indiferente ao magote de gente que tagarelava junto ao carro amassado, lá abalei para tomar a habitual “meia-de-leite” morna, normal e com adoçante, no café do costume, e comprar os diários da ordem, um de notícias e outro desportivo. E, também como de costume, voltei a “não querer comprar” a revista que, aos sábados, nos é “impingida à boleia” do periódico, gabando-se depois os seus mentores de miríficas “tiragens”, à custa das quais são capazes de auferir boa maquia!... Tornou-se, aliás, demasiadamente banal e costumeiro os jornais “enfiarem-nos” a reboque artigos que nada terão a ver com as notícias, e que estávamos longe de querer adquirir. Só depois verificamos da cor política e ideológica dos fazedores da “coisa”, e da falta de qualidade dos artigos oferecidos, prefigurando mesmo o uso e abuso de publicidade enganosa. O preço pouco menor é que o que qualquer escaparate ostenta, apesar da “grande tiragem” que do “artigo” se faz, e a qualidade, normalmente, é muito inferior. Pois é, mas quem ganha é o “amigo do peito”, como ainda agora com “As Freguesias de Portugal” – um “trabalho” vulgaríssimo, incompleto e fantasioso -, ou como um certo Atlas, que nos informa ser a ilha do Sal capital de Cabo Verde!... Isto para não falarmos de uma História de Portugal, que se anunciava de vinte volumes, mas que afinal se resume a dez, mais dez de personalidades, acabando por se transformar em trinta, com mais dez de bibliografia!... É assim que se “estica” a fama do autor, e se lhe reconhece monetariamente um mais que problemático valor!... Mas, voltando à vaca fria, dei uma mirada na primeira página do desportivo e resolvi lê-los mais tarde, optando por arrancar em direcção a Guimarães. Primeiro, para passar na caixa automática do banco, e segundo, à espera de inspiração para escolher um rumo. Que, ao chegar à rotunda da ponte de Brito, escolhi ser a Póvoa de Lanhoso, mais propriamente a freguesia de Garfe, de onde sou natural. Contornei à esquerda, para Brito, segui por Vila Nova (de Sande) e depois da ponte de Borrecos cheguei a Caldas das Taipas. Era cedo, ainda, e estacionei no parque citadino à sombra dos carvalhos, quedando-me a ouvir música e a admirar os passantes, antes de desentorpecer as pernas no parque ribeirinho. O parque estava limpo, o que nem é de admirar àquela hora da manhã, altura em que os utentes são poucos, e ainda cheirava a relva orvalhada. O ar rescindia a primavera, e as águas do rio Ave, conquanto sujinhas da silva, ainda não fediam. Caminhei pelo estreito carreiro ao longo da margem até às antigas termas e voltei, sorvendo aquela atmosfera que o ambiente rio/árvores/relva/orvalho nos oferece amalgamada e nos lava a alma. Saí pelo recinto desportivo e subi a alameda até ao espaço da feira. A hora do almoço aproximava-se, e estive tentado a ir saborear um bacalhau com batatas a murro no “Fertusinhos”, sobranceiro ao espaço ajardinado. Costumo lá abancar muitas vezes, mas nesta altura achei que ainda era cedo, e nem me apetecia por aí além o tal bacalhau. Se calhar, seria preferível ir ao Príncipe Parque, onde na cozinha pontifica a senhora Rosa Macedo, e às mesas o seu marido. É de preço um pouco mais elevado, mas compensa pela variedade dos pratos e das bebidas. Enquanto assim cogitava, tinha descido a alameda pelo lado da piscina e estava já junto ao pópó, a admirar um par de “tenistas” feitos à pressa que utilizavam um dos campos, sem que o apetite nem a fome me dessem especial cuidado. Sentei-me no carro, de porta e vidros abertos, e pus-me a ler as notícias. Que terminei antes da uma hora, sem que as papilas gustativas pendessem para qualquer sabor. À falta de melhor, mas atido à voz popular que nos diz que “no comer e no coçar, tudo vai do começar”, tornei à ideia inicial e subi a alameda, virando à direita para S. Cláudio do Barco a ver no que dava a fome ou a vontade de comer, uma e outra sem dar sinal de si. Passei no “Xico da Rabata”, mas passei e andei, porque ainda não há muito tempo me haviam negado o “tacho”, alegando que eu não telefonara a marcar, embora estivesse quase vazio. Come-se bem, principalmente um pica-no-chão de cabidela, e o vinho, normalmente é do melhor. Mas, “prontos”, para quem não quer há muito, e se num lado se paga, noutro dá-se dinheiro. E logo eu, que nem sou dos que mendigo lugar para almoço. Passei pela pontezinha das cozinheiras, uma tasquinha especializada em sardinhas e vinho que “visito” por vezes para meter uma bucha, nanja para almoçar ou jantar, que não é casa disso, e estive para voltar à direita para a igreja de Barco. Tem por lá dois restaurantes com certa fama, embora eu goste mais da tasquinha, onde, não tão raramente como isso, costumo ir petiscar um bacalhau desfiado, aquilo a que nós chamamos popularmente “uma punheta de bacalhau”, e em que aquela gente é especialista, porque, dizem a brincar, a fazem com as duas mãos. Também servem almoços e jantares, mas não é muito atractivo nessa área, a não ser que se encomende previamente, o que, como já afirmei, não costuma ser o meu caso. Continuei a marcha, e lembrei-me de ir “tachar” ao “Mafra”, ali em Santo Estêvão de Briteiros, na esquina para quem segue para a Citânia ou para o Sameiro. É um restaurante do meu amigo João Mafra, onde pontifica a sua esposa D. Alicinha, ajudada pelos filhos, um casal de simpáticas mocetonas e um rapaz. A especialidade da casa é o “cabritinho ou a vitela no forno”, e o vinho é verde regional e de alta qualidade. Outra coisa que eu gosto lá, é da “cabidela” de miúdos de cabrito, e muitíssimas vezes telefono a ver se tem, antes de lá abancar. Parei, mas infelizmente nesse dia não tinha, pelo que dei uma de despedida à francesa e continuei para a Póvoa de Lanhoso. Cheguei a Donim logo, logo, mas lá não conheço restaurante que se recomende. O mesmo já não acontece no largo acima, em Santo Emilião, à volta da igreja, onde se come bem em uma ou duas casas, mas onde se deve ir acompanhado. Quando não, não se consegue consumir a quantidade que vem para a mesa, o que parece mal e é, até, pecado deixar no prato. Assim, virei à direita, atravessei a ponte e segui para Gondomar, breve me encontrando na rotunda/cruzamento de S. Roque e da Roda, em Garfe, minha terra natal, já do concelho da Póvoa de Lanhoso, e onde se pode bem confortar o estômago, quer num dos restaurantes, quer na famosa “tasquinha dos mudos”, ali na rampinha do lugar da Costa, fronteiro ao lugar da Devesa onde os meus olhos viram a luz do dia pela vez primeira, e onde por encomenda se prepara um óptimo bacalhau racheado, que se pode “demolhar” com o mais primoroso “tinto” da região, como o seu proprietário, meu amigo e quase parente “Nequinha” faz questão de apresentar. Os ponteiros caminhavam já para a hora e meia da tarde e, como por preguiça nada encomendei, resolvi que iria almoçar no meu amigo Luís. Tinha-me lembrado do bacalhau nas Taipas, voltei a lembrar-me do bacalhau dos mudos, pois iria comer mesmo o bacalhau. Desci para Arosa e atravessei a ponte para a Póvoa de Lanhoso, virando logo no fim do tabuleiro à direita, para Castelões, onde, junto às escolas, “O Luís” se esconde. “O Luís” é uma casa grande de habitação, em que o rés do chão funciona em parte como café, e como casa de pasto na restante. É especializada em “bacalhau com batatas a murro” e em “tripas à moda do Porto”, em “anho” assado no forno e “polvo na brasa”, não lhe sendo de desprezar também a vitela assada, normalmente com muito bons vinhos verdes da região para acompanhar, e um pudim “à Maria José” para sobremesa. Na cozinha, reina a jovem senhora D. Maria José, e no serviço dá cartas o Luís, seu marido, ajudado pelos dois filhos e por outros familiares, com o pai do Luís, apoiado na vara de espevitar as brasas, a vigiar o lume e a assadura do polvo e do bacalhau. Não possui mesas individuais, mas mesas compridas servidas por escabéis corridos a todo o comprimento. E se se come bem!... No fim do repasto, arranjaram-me um parceiro “ad hoc” para fazer duas de sueca contra o Abel e o Constantino - aquele, irmão do Luís e este cunhado de um parente meu -, os quais formam um par de adversários bem forte. Não que sejam imbatíveis, não senhor! Muito longe disso, até, mas “manhosos” que baste. São dos tais que “nem olham para as cartas” nem nada, tanto lhes fazendo ganhar como perder (...querias!...), mas se o adversário se descuida, apanha “chitos” em cima de “chitos” à respectiva baralha, porque os trunfos, “por acaso”, vão parar todos às mãos deles!... Uns brincalhões, é o que são!... Nem me recorda como ficamos, mas creio que perdi por uma partida. E a tarde já ia a meio quando resolvi arrancar. Fi-lo em direcção a Sobradelo da Goma, onde tenho parentela, e desci até à Barragem das Andorinhas, mas aquilo está muito abandonado e sujo. A casa da central está a perder a “caliça” e tem os vidros das janelas quase todos partidos à pedrada. O largo está lá, sim senhor, e tem ao centro o mesmo castanheiro. Também os pessegueiros bordejantes estão no mesmo sítio, mas o espaço encontra-se emporcalhado com restos de preservativos a esmo e trastes velhos espalhados pela ribanceira. Aquilo que era um recanto aprazível e calmo, passou a ser local não recomendável, porco e mal-cheiroso. Deixei de o poder recomendar. “Tristérrimo”, dei mais uma mirada ao açude e abandonei o local, seguindo pela estrada de Rossas até ao desvio para Travassos, onde pensava ir visitar familiares, mas não virei. Segui até ao entroncamento da estrada Póvoa/Fafe, mas, em vez de virar à esquerda para Porto d’Ave, rodei por Simães, em Fontarcada, e continuei sem parar para a Póvoa de Lanhoso. Não que não tivesse gostado de ter ido visitar o mosteiro da Senhora do Porto, com o seu maravilhoso calvário, em Porto d’Ave, nem que não tivesse gostado de percorrer o seu frondoso parque, mas de lá ou voltava para trás ou seguiria para Arosa, onde já tinha passado à vinda. Arosa é uma terra que, juntamente com Castelões, pertence ao concelho de Guimarães, embora se situe para lá de Garfe. Para lá de Garfe e para além de Serafão, sendo esta a primeira terra do concelho de Fafe. São terras, aliás, que me lembram os tempos da minha inspecção militar, e me trazem à memória recordações indeléveis. A primeira vez que estive em Arosa, por exemplo, foi na noitada de uma romaria de Santo Amaro, no largo da capelinha de seu nome, festa que é o “ex-libris” da terra. Naquela altura o trânsito era mínimo, e os romeiros ocupavam a estrada despreocupadamente. Não sendo eu um amante deste tipo de coisas, lembro-me que admirei a simpatia oferecida das moçoilas romeiras, ri-me da sua brejeirice inocente e sincera, e nem me chateei com o autêntico banho de brilhantes com que me inundaram o penteado. Ainda hoje retenho a ideia, e disso faço gala, que não há moça mais simples e sincera que as naturais das terras de Maria da Fonte. Quanto a Serafão, pois já então ia lá imensas vezes, já que o meu pai era de lá natural, descendente da família do morgado, ali por Vila Nova. A casa onde nasceu e que se mantém na família ainda hoje, ostenta gravado na portada o ano de 1805 como data de fundação, o que me garante que já o meu avô lá teria nascido também. Está na posse da tia “Micas”, viúva do meu padrinho e única ainda viva. Era uma família numerosa e rica, a julgar pelos bens que detinha e que, como disse, ainda se mantêm na família, embora dispersos por inúmeros herdeiros. Que visito amiudadas vezes e com quem mantenho os melhores laços familiares. Já em Garfe, só me lembro de visitar uma vez a casa onde nasci, tinha oito ou nove anos. Era habitada naquela altura pela minha madrinha de baptismo, a “Miquinhas Flor”, que também já faleceu. Por vicissitudes da vida a casa foi depois vendida, e nunca mais lá fui. Também a família materna se dispersou, pelo que são poucos os parentes a visitar, tanto mais que a minha mãe só tinha uma irmã.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (010) Nos finais da década de sessenta, inícios de setenta, a vida associativa de Guimarães centrava-se no Café Toural, ali entre o Café Oriental e a Drogaria Garcia. Ainda se não tinha dado a “diáspora” surgida como resultado de um tal vinte e cinco de Abril de mil novecentos e setenta e quatro. Sim, porque até àquela revolução, dita dos cravas, não havia bicho careta que aos sábados, logo logo a seguir ao almoço, não comparecesse no Café Toural. E nem se diga que era por causa da pinga, porque o velhinho senhor Manuel, entretanto já falecido, não servia copos, e eram muito raros os clientes “apreciadores” de whiskies. Normalmente ficávamos pelo café com cheiro, ou pelo café e meio bagaço ou, então, os mais endinheirados pelo café e brandy. Acontecia, até, que um sujeito que nós cá sabemos pedia um café em chávena grande, para nele amolecer o bijú que trazia no bolso!... O que fazia a “maralha” juntar-se eram as novidades da semana, um cafezito de doze tostões cujo pagamento era acérrimamente disputado ao trinta e um, mais tarde substituído pela “moedinha”, porque esta não gastava “papel”, e o são convívio onde não havia ricos nem pobres, coronéis ou magalas, doentes ou doutores, industriais ou operários. Era ritual mais que aceite, e estou em crer que ao facto de o centro nevrálgico se fixar naquele vetusto café não seria alheio de todo o ar familiar e aconchegado daquele estabelecimento. Porque havia outros cafés e, se calhar, até mais modernaços, mais abertos e melhor decorados, e onde também se jogava forte e feio. Fosse pelo que fosse, porém, era no Toural que se juntava a malta, e muitíssimas vezes aconteceu que o serão se prolongou para além das duas da matina, quer o tempo se tenha passado a jogar o “solo”, a “marimba”, o “burro americano”, a “loba”, a “sueca”, um simples joguinho de bilhar - “eight ball”, “livre”, “snoocker”, “sargento”, “pratinho” ou “trinta e um” -, ou, até, simplesmente a “mirone”, porque “há olhos que partem vidros”!... No “encerramento” era certo e sabido que íamos “dar-ao-dente” numa das tasquinhas circundantes, tratasse-se dos “Caquinhos”, do “Monteiro da tulha”, ou do “Miranda” na Oliveira, dado que a “Imperial”, a “Clarinha”, a “Docélia” e outros já tinham fechado as pestanas para dormir há muito tempo!... Depois era um ver se te avias para regressar, porque pouquíssimos tinham carro, e àquela hora os transportes públicos já tinham ido descansar e os poucos táxis da praça não davam vazão às “meninas”!... Que saudades do “ourado” ou das “escadinhas”, ali pelas travessas da Egas Moniz, casas que a “outra senhora” mandou fechar em trinta e um de Dezembro de mil novecentos e sessenta e um!... Para moralizar costumes?... Só contaram p’ra vocês! Se houve qualquer moralização foi “dentro” daquelas casas. Isto, porque o parque do castelo foi que as substituiu, com a agravante da rua das muralhas se transformar em local de engate e de poucas vergonhas, porque o cio não é de hoje, e a chamada “Robialac” não podia ficar à vara!... E isto para se nem falar nos riscos que “carnes sem carimbo” então representavam e ainda hoje representam!... Está claro que as distâncias, para “machos” com menos de trinta anos, não são obstáculo a ter em conta, e muitas vezes aconteceu termos recorrido ao veículo de motor “vá-a-pé” para “toparmos” a casa a tempo de irmos à missa da manhã. A cama, essa, muitas vezes nem desfeita era!... Lembro-me de uma das vezes em que uma parte de nós, os casados na maioria, resolveu por volta das três da matina ir embora “a butes”, enquanto outros ficavamos nos copos e na tagarelice. Fomos à missa das seis na igreja de São Domingos, e “apanhamos” depois a camioneta das sete, que fazia a carreira para o Porto. O sono era tanto, que um dos nossos “ferrou o galho” durante toda a missa com o cotovelo enfiado na pia da água benta. Lá ressonar, ressonou e, apesar do frio, não foi a água que o acordou. E lembro-me dessa vez, porque quando cheguei a casa tinha a porta fechada. É que a “famelga” tinha resolvido ir ao Sameiro a pé. Valeu-me o barraco das canhotas” para arrancar uma incómoda “dormidela”, a bater o dente com frio!... Mais tarde apareceram uns endinheirados que remodelaram aquele café, mas ficou sem sainete nenhum. Perdeu a clientela toda e deixou de ser poisio dos amigalhaços, que bateram asas para outros ninhos. Hoje parece que está transformado exclusivamente em hotel, não se me dando se com rentabilidade que se veja ou sem ela. Voltando ao tempo das tertúlias do Café Toural, que é o que para aqui me traz, não resisto a contar um par de histórias com que entretínhamos as tardes de Sábado. Temos aquela de o senhor Manuel mandar o empregadito à drogaria Garcia, que lhe ficava ao lado, buscar dois rolos de papel higiénico para as casas de banho do café. E o rapaz lá chegava à drogaria e pedia alto e bom som “dois rolos de papel para limpar o cú”. Ao que o bonacheirão do Garcia lhe rogava para que numa próxima vez pedisse papel higiénico, para não parecer mal. Que sim, sim senhor, lhe prometia o garoto, que andaria pelos onze/doze anos. Qual trabalho infantil, qual carapuça!... O que era preciso era o moço estar ocupado e ganhasse o sustento. Mas, no dia seguinte, já se tinha esquecido e voltava a pedir os tais dois rolos de papel para limpar o cú, estivessem os clientes que estivessem, e o Garcia lá lhe pregava outro sermão. Até que, à terceira vez, o rapazito sempre se lembrou e, todo ginjeiro, lhe pede dois rolos de papel higiénico. O senhor Garcia ficou “todo cuntente” e lhe pergunta se era para embrulhar. Que não senhor, lhe torna o fedelho, era p’ra limpar o cú!... Depois, tínhamos aquele “amigalhaço” solteiro, que trabalhava na tipografia e era caçador inveterado na época da caça. E que na mesa do café “caiu na asneira” de se gabar de ter morto dois coelhos que eram um espectáculo e que a mãezinha já tinha amanhado para servir de jantar nesse dia, mal chegasse do trabalho. Vai o outro “bacano”, seu encarregado na oficina, e arranja-lhe forma de “precisar de horas extras” nesse dia. Mas que estivesse descansado, porque depois do trabalho iam comer uns “coelhitos à caçador” no Monteiro, e ele estava desde já convidado. Nos entretantos, combina com um colega que logo foi “endrominar” a mãe do caçador. E esta, na sua boa fé, lhe entregou os bichos “a mando do filho”. Está claro que o nosso caçador apreciou o jantar e não se poupou. Até foi ele que pagou o vinho. O pior foi quando descobriu de onde tinham vindo as tais peças de caça que tanto apreciara!... O que vale é que os amuos entre homens não duram muito. Numa outra altura, vai outro que informa os amigos de que tinha trabalhado como o caraças nessa manhã, mas que à noite ia “papar” um arrozito de grelos com um “chouriço” caseirinho, do seu fumeiro. Pensando rápido, o nosso amigo lá lhe diz que tal tem de ficar adiado para outro dia, porque nesse Sábado iam ao “Florêncio” comer precisamente um salpicão com um arroz de grelos e estavam a contar também com ele. Obtida a concordância, tratou o “artista” de mandar alguém a casa do “fala barato” a, em nome dele, pedir à patroa para lhe mandar dois bons salpicões, porque ia ter um encontro com os amigos, e o planeado arroz ficava para outro dia. Está claro que ele adorou o tal arroz de grelos, e até disse que os salpicões estavam tão bons como os dele. E ao pagar a dolorosa, não se importou de pagar sozinho o tintol!... Claro, depois amuou, mas já não resolveu nada!... Mas nestas peripécias, aconteciam coisas do arco da velha. Numa manhã de Sábado aconteceu uma prova de atletismo no estádio do Braga e nos terrenos anexos, e lá fomos cinco ou seis numa Ford Transit de um amigo assistir às provas. Findas as competições perto da uma hora da tarde regressávamos a Guimarães para o almoço. Ao passar por Balasar, ali pelos tanquinhos, estava uma família a “piquenicar” à fresca, e o nosso homem businou em jeito de cumprimento, ao que o chefe do clã ergueu uma coxa de cabrito em gesto de oferta. O que o homem foi fazer!... Estaca o nosso amigo, sai do carro, e em jeito descarado lhe pergunta se era oferta. Que sim, senhor, lhe retorna o homem sob o olhar de aprovação da cara metade e de contentamento da filhota, únicos componentes do rancho. Eh, malta, venham daí, convida-nos o “motorista” com todo o desaforo. E, a verdade, é que não sobrou nada das vitualhas nem do vinho!... Se a família de Chaves estava a pensar lanchar do farnel, bem se tramou!... Infelizmente, depois do tal vinte e cinco de Abril tudo se modificou. Fosse pelo apagamento do tal café, fosse pelo exacerbar das ideologias políticas e partidárias, fosse pelo campear dos sindicalismos desenfreados, a maralha dividiu-se em diferentes grupos. Uns foram para o Alameda, outros para o Oriental, alguns para o Milenário, outros tantos para a Ribela. Diz-se que antes não havia liberdade mas, nascida esta, surgiram óbices sem conta e os “frangos” viraram “galos”, o que nos impulsionou a seleccionar companhias, porque ainda é válido o “diz-me com quem andas...”

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (007) Por razões porque acabei por me deixar ultrapassar, não "croniquei" qualquer "cusquice" para o Natal/2009. Porém, quem habitualmente me lê já me adivinha os votos, porque não quis ser amargo!... Todavia, o mesmo já não posso dizer sobre as entradas no novo ano de 2010, porque todos achamos que vai ser pior que o de 2009 em todos os aspectos. E porquê?!... Ora, com os portugueses que nele votaram "de tanga", o nosso "Primeiro" foi gozar férias para as neves lá fora, e deixou-nos a bater o dente de frio cá dentro. Se vivesse com o ordenado mínimo ou menos que isso, mesmo com o ordenado de uma profissão na sua suposta área, teria mais juízo!... Mau sinal, pois, das irresponsabilidades do que por aí vem. Diz-se, agora, que não há almoços gratuitos!... Pena é que se esteja a falar para o "boneco". Bem, mas que os meus "indefectíveis" consigam encontrar uma forma menos penosa de encarar o novo ano, são os meus mais sinceros votos. E para que esta "abertura" tenha alguma claridade, recordo um meu artigo já anteriormente publicado e referente a esta época. - Corria o mês de Dezembro de mil novecentos e troca o passo, muito mais frio e agreste que o deste ano de dois mil e cinco. Pelas onze horas da matina a geada ainda gretava a terra, como se de frieiras se tratasse. O sol radioso não lograra ainda derretê-la, e zonas havia em que, porque mais abrigadas ou mais sombreadas, o gelo vingava dias e dias. Só quando uma chuvinha desabava é que a geleira ia p’ró galheiro, não sem que antes não provocasse alguns “bate-cús”!... Nesses tempos já um tanto longínquos, em que o “cachopo” ia para a escola a “butes”, muitas vezes descalço ou com uns socos ou umas chancas nos pés, não dava gozo nenhum fazer horas no caminho. Ia-se num pé e vinha-se noutro, que a geada não era de modas, e artigos de conforto e agasalho eram coisa rara e cara. Encurtava-se caminho pelos carreiros campesinos e de matedos, desafiando latidos e correrias dos “rafeiros” que os vigiavam, brandindo apenas a sacola como arma ameaçadora. Pois bem, não tão raramente como isso, a criançada chegava à escola com as mãos dormentes pelo frio, incapazes de segurar o giz ou um lápis, e trôpegas o suficiente para lhes custar abrir um livro. Era a poder do próprio “bafo” que se conseguia desentorpecê-las, o que demorava e demorava. Ora, o “catraiame” de então, que não era mais peco que o de agora embora lhes faltassem calculadoras, computadores ou internetes, logo lhes arranjaram um jeito, porque, ontem como hoje, a necessidade aguça o engenho. Assim, houve quem se lembrasse de aquecer umas pedras no borralho da lareira lá de casa e, quando quentinhas da silva, as embrulhasse num pedaço de jornal e as metesse no bolso das calças, de onde as mãos jamais saíam. Foi remédio santo, e daí a pouco todos já assim procediam com manifesto lucro para as aulas. As meninas usavam-nas nos bolsos da blusa ou do casaquito. Quando já frias, as pedras, a canalhada substituía-as no recreio pelo jogo da sardinha, procurando distribuir “bolachas” nas costas da mão do adversário “amouchado”!... E como aqueciam!... De resto, o tempo dos magustos passara, as castanhas já tinham desaparecido dos quintais e as azeitonas não entusiasmavam por aí além, porque nem curtidas estavam. As fruteiras hibernavam, e só restavam os pinheiros bravos e mansos mai-las suas pinhas. Que ninguém se incomodava que se varejassem e que, por isso mesmo, eram o artigo mais assíduo na noite de natal, pois serviam para o lume e se lhes aproveitavam os pinhões. Que, até, eram moeda disputada à roda do lar pelo jogo do “rapa” quando, fechadas as portas e tapadas as frinchas, se deixava o frio lá fora e se gozava em família o quentinho aconchegante e perfumado da lareira. Era uma alegria! E como custava deixar o brasedo para ir à missa do galo!... Mas tinha de ser, porque o “fogo de vistas” era muito lindo para se perder!... E, depois, à chegada, o “Menino Jesus” já teria posto a prendinha no presèpiozito pobre e mal arranjado, e a curiosidade era tanta, tanta, que nem se conseguiria dormir sem se saber o que era. A noite durava e durava, mas na manhã seguinte, dia de natal, podia dormir-se até muito mais tarde, enrodilhados nas mantas e nos cobertores e a tentar adivinhar o que se iria comer para além da “roupa velha”!... E o dia passava-se alegre e despreocupado, desejando que nunca mais acabasse ou que o natal fosse todos os dias. Hoje, a tradição está a perder-se. Com raríssimas excepções, que as há, o consumismo tomou conta de tudo. E já se esqueceu o presépio, substituindo-o pelo pai natal. Vendem-se árvores de natal arreadas de ornatos e enfeites para todos os gostos e preços, digam ou não respeito à quadra. O natal tornou-se barulhento e stressado, caro mas vazio, iluminadíssimo mas triste, porque lhe falta o espírito natalício e a alegria das crianças. Aquele, perdido num labirinto de tanto superficialismo ou ignorado por um emaranhado de ideias idealistas, esta, porque as nossas crianças de hoje têm tudo e esbanjam, não se deixando apaixonar pelo prazer da descoberta, nem se deixando envolver por sentimentalismos “piegas”. Então, o que mudou?... Tenho amigos que me chamam de saudosista, e vão ver neste artigo a prova-provada do que me acusam. Deixá-los, lá se avenham!... Não esqueçam, porém, que a saudade só a tem quem viveu e quer viver, e que quem não faz por merecer o passado jamais terá futuro. Não me importo, nem é meu propósito “impingir” qualquer lição de moral, mas não esqueçam que, como dizia o sábio, até o excesso de sono cansa. Bem, mas estamos no natal que, para mim, continua a ser o corolário do advento. É uma época de paz interior, de acalmia, de introspecção, de família, de amizades, de amor, de alegria. É uma data em que a criança é rei, não fosse o menino do presépio a sua figura central. Bem sei que outros se revêm na vaca ou no burro, figuras que a tradição ousou colocar na gruta. Mas gostos não se discutem, e cada um é produto das ideias que espalha. Eu prefiro pensar como penso, e é assim que desejo aos meus leitores um muito FELIZ NATAL, e, já agora que se trata da última tiragem do Entre-Vilas neste ano, um bom ANO NOVO de 2006 para todos. - Mudando certas datas, digam-me os meus amigos se não veio a matar!... Ronfe, 2010.01.06

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (008) Em nome de um suposto registo “para memória futura”, como hoje está na berra dizer-se, “ousei”dar à estampa, no Notícias de Famalicão, e "repeti, depois, no Entre Vilas, uma “croniqueta” de minha lavra, mas de generalizado conhecimento das gentes de Joane, em torno de cuja vida em certa medida girava. Confesso que não é meu costume “tripetir” prosas mas, até por dizer mais respeito àquela população, como acima invoco, resolvi abrir esta excepção, no conhecimento que tenho de que, em Joane, não serão tantos assim os assinantes daquele Notícias de Famalicão. Espero que o prazer que os meus amigos sintam na respectiva leitura me relevem o “atrevimento”. Então, é assim:- Ainda não decorreram assim tantos anos para que as pessoas não se recordem de um estabelecimento ali para os lados de Vila Boa, de Joane. Estava instalado naquele prédio antigo, rés-vés com a estrada nacional, onde depois funcionou o posto médico da Segurança Social, e hoje se encontra desocupado e degradado, ameaçando ruína. Se me fosse pedido que caracterizasse tal estabelecimento, eu diria que se tratava de uma “venda”, pois tinha de tudo, desde mercearia a adubos, desde vinhos a ferragens, desde calçado a bijuteria. Era seu proprietário um fulano bem conhecido pelas suas traquinices, que muita gente, não querendo ler o humor das coisas, catalogava de tratantadas. Já faleceu e, que eu saiba, não deixou prole, embora me pareça que a senhora sua viúva seja viva e pensionista ali pelo lar das Misericórdias de Famalicão. Quem com ele privasse conhecia-lhe bem a “queda”, mas quem dele se abeirasse esporadicamente não lha adivinhava face à sisudez do porte. Fui testemunha de algumas das pitorescas histórias que vou contar, mas outras há que conheço apenas de ouvir dizer. Passado este tempo todo, não arrisco separar umas das outras para não correr o risco de ser traído pelas memórias. Já naquele tempo havia uns certos figurões que mandavam vir um bijú e um bagaço para o mata-bicho, ou meio quartilho de vinho tinto e um papo-seco para a sossega, mas rapavam de meia dúzia de figos da ceira, ali à mão de semear, jamais os acusando na hora de pagar a conta. O merceeiro via mas, moita carrasco, nem um pio. No entanto, de tanto ver desaparecer os figos à borla, resolveu rechear os ditos que ficavam por cima na ceira com o miolo de bravas malaguetas, depois de lhes aplicar um finíssimo e indetectável golpe de lâmina. Oh, diacho! Para o que lhe havia de dar!... Figo na boca era lume certo pelas goelas abaixo, e nem o bagaço nem o meio quartilho de tinto logravam apagar-lhe as labaredas, secar-lhes as lágrimas em torrente assomadiças ou avivar-lhes a voz do urro não gritado!... Como o “vendeiro” não se descosesse e o seu físico não convidasse a grandes fanfarronices, lá perdia o freguês a mania de lhe “mamar” os figos de borla, e o comerciante começava, por fim, a ver o lucro do produto!... Mas não se ficavam por aqui as travessuras do nosso amigo. Um conhecido meu, daqueles “promovidos a empregados de escritório” na empresa e que, portanto, já exibiam gravata e tudo, dirigiu-se-lhe a meio da tarde e lhe perguntou se tinha algo para meter à boca, ao que o nosso tasqueiro disse que sim e, rapando-os de debaixo do tampo do balcão lhe apresentou, acto contínuo, uns freios... de burro!... Outro, vindo da feira onde tinha comprado para dar à legítima um relógio de parede, coisa rara e cara naqueles tempos, ao passar pela tasca a caminho de casa, sita ali pela Labruge, lá parou para beber um copo e dar uma espreitadela à mesa da sueca, tendo poisado num canto do balcão a caixa de sapatos onde o relógio vinha acondicionado. Com o seu “falso” ar bonacheirão, lá lhe atirou o comerciante:- “Com que então, sapatos novos”?!... Não, qual quê!... É um relógio p’rá patroa, que nunca sabe a quantas anda para me preparar o almoço, e... bem sabe como é! Quem anda por horários... Matutou o nosso herói e, conseguindo-lhe uma caixa igual – o que até nem foi difícil porque no estabelecimento também vendia sapatos, a recheou com duas “canhotas” e substituiu a original. Imaginem a cara da mulher ao receber tal prenda!... Boa, também, foi aquela, pouco antes das seis horas da matina de um domingo de verão. A estrada ainda era de paralelipípedos, e o nosso homem resolveu plantar-lhe na guia uma nota de vinte, daquelas verdinhas que depois foram substituídas pelas do Santo António, aquela que, diziam, só valia dezanove e quinhentos porque faltava uma coroa ao santo. É claro que, ao tempo, era muito dinheiro e o nosso merceeiro tinha fama de “unhas de fome”, pelo que colou à nota uma sediela, daquelas que se usavam nas canas de pesca, e fez passar a outra ponta por debaixo da porta envidraçada onde estabeleceu o seu ponto de observação. Nisto, lá vem para a missa dominical uma senhora que, ao ver a nota, olhou desconfiada para trás e, não se vendo observada, lá se agachou para a apanhar. É o apanhas, porque o espertinho deu um esticão à seda e a nota voou para longe, iludindo a senhora, que atribuiu o facto a alguma rabanada de vento. Deu-se a segunda tentativa, mas o ladino também não lha consentiu. À terceira, quando a mulher se aprestava para lhe pôr a chinela em cima, viu a nota a esgueirar-se por debaixo da porta fazendo-a entender o embuste e, emproada, tentasse esconder-se do ridículo porque a esparrela a fizera passar. A meio da manhã, quando o marido da “enganada” regressava da missa das nove, resolveu o merceeiro gozá-lo também, dizendo-lhe que se virasse aquela nota para o sol, em contra-luz via-se um fulano a andar de bicicleta. O homem lá experimentou e mirou e remirou, mas passado um bom bocado foi obrigado a confessar que não via nada. Pois não, lhe atira o engraçado!... Ao tempo que já vai, o ciclista já passou a Labruge há muito!... Mas o que eu queria contar a vossas excelências era outra história. Apareceu na citada venda um cigano montado numa égua velha e meio escanzelada. Apeando-se, prendeu a cavalgadura pela arreata a uma das argolas que para o efeito a parede do estabelecimento ostentava. Entrou, deu os “bôs dias” e pediu um prato de bacalhau com grão de bico, que era o prato que estava a sair, e meio quartilho de vinho. Aviado o pedido, indagou do vendeiro se não teria algum pão recesso porque queria dar uma sopa de vinho à burra, que estava teimosa e não queria prosseguir. Que sim, mas não tivesse o cigano cuidado porque com ele a burra andava mesmo, com sopa de vinho ou sem sopa de vinho. Perante a incredulidade do cigano que já desatara a besta, vai o nosso amigo e passa-lhe por debaixo do rabo um pincel embebido em aguarraz. Nem queiram vossas mercês saber!... A burra empinou-se, escabritou e desarvorou em correria louca em direcção à Labruge, e não houve quem a segurasse. Não sei se teria parado no acampamento que a ciganagem sempre ali armava, atrás daquele fontanário que, embora enterrado ali pelas bombas de gasolina ainda existe e bota água, se boa ou má desconheço, mas em quantidade, ao contrário de aqueloutro que, pertíssimo da tasca de que estamos a falar, em quadro de lindíssimos azulejos retrata a Samaritana e já não bota caudal que se veja!... Servia esta história, dizia eu, para desmascarar mais uma das mentiras com que os políticos a que temos direito nos vinham tentando enganar, pois, como se podia ver, até os burros mudam!... Ontem como hoje, a história ainda é carapuça que se apresente!... Não acham os meus amigos? Bem, não levem a mal o devaneio, divirtam-se e... desculpem qualquer coisinha!...

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

por Amâncio Blog:- amanciogoncalves.blogspot.com E-Mail:- amanciogoncalves@sapo.pt “À laia de... cusquice...” (009) Não sei porquê, porque nem nasci cá e passei mais de dezassete anos da minha vida noutras paragens, mas gosto muito desta terra. … Uma aldeia linda, que em suave ondulação se espreguiça com volúpia desde o sopé do monte de S. Miguel-O-Anjo até ao rio Ave. Além das terras de Vermil, Brito e Pedome, que a abraçam, aninha-se também nas fronteiras de Mogege e Joane, que a abrigam dos ventos oceânicos os quais, vindos da Póvoa de Varzim, fustigam com inclemência o litoral poente deste nosso jardim à beira-mar plantado. Úbere nos seus campos, opulenta nos verdes das suas vinhas, pomares e matedos, laboriosa e produtiva nas suas empresas, tem-se mostrado quase sempre mãe extremosa para com as terras vizinhas, cuja população nela busca o pão de cada dia. Já para os seus filhos não raro se impõe madrasta, como que lhes exigindo tributo pelo amor que àquelas dispensa. Se, por acaso, ainda não deram por isso, estou a falar de Ronfe. Elevada à categoria de Vila em treze de Maio de mil novecentos e noventa e nove, nem por isso as carências mais corriqueiras lhe foram ainda minoradas ou supridas pelos poderes constituídos. …Habitada por muito boa gente e, embora haja de tudo como numa farmácia, que nem sempre será gente boa, porque a ela se aplica como luva o pensamento de César:- “Nem se governa, nem se deixa governar”, borbulham-lhe nas mentes ideias de grandeza em quantidade semelhante à água do rio que lhe corre aos pés, mas guarda-as ciosamente para si nos escaninhos da memória, com medo de as ver concretizadas por outrém. Como que para se defender, opta por criticar à nascença qualquer novidade que apareça, mas corre a reclamar-lhe a paternidade logo que lhe pressinta sucesso, na mira, quiçá, de se “abarbatar” com algum possível ganho ou relevo. Um mau feitio, mas que lhe está na massa do sangue!... Mas vamos ao que interessa, porque me parece que o “Entre-Vilas” não vai lá muito com o “comprimento” dos meus artigos, embora eu julgue que se “deveria preocupar” mais com outras coisas, nomeadamente com o emagrecimento de “trabalhos” de carácter eminentemente político!... Mas... manda quem pode e quem não quer, põe na borda do prato! Aliás, talvez seja a ocasião avezada para o realçar do sucesso do nome deste jornal, face à localização desta terra. Estamos mesmo entre vilas. Os meus parabéns!... Assistimos hoje em dia a um surto de construção nunca visto em Ronfe. Quem sabe porque motivos, mas estou em crer que não lhes será alheia a Escola Abel Salazar, tanto mais que a situação das empresas implantadas em Ronfe não será, presentemente e à semelhança do panorama nacional, a mais brilhante. E, a ser assim, como se revolverão no túmulo as cinzas daqueles que, tendo a faca e o queijo na mão, perderam no seu tempo a oportunidade de fazer história. Sim, porque já há muitos anos que a freguesia dispõe da Quinta de Gemunde, que tinha e tem pano para mangas, e por causa da inércia dos seus mentores deixou de cumprir o seu papel, transformando-se na moeda enterrada das escrituras. A par de infelizes e indefensáveis desaparecimentos, entre os quais forçoso é mencionar a Casa da Cadeia, que se situava ali pela Ouca, nas traseiras do Cruzeiro, e os Penedos da Forca localizados que ficavam no Monte de Alvar; Ao lado de ruínas ainda não recuperadas e de que desconhecemos projectos nesse sentido, como sejam as capelas do Barreiro, de Gremil e do Requeixo, cujos oragos são Nossa Senhora da Abadia, S. Miguel e Santo António, respectivamente, também uma ou outra casa senhorial foi sacrificada ao denominado progresso. Em nome do “deus dinheiro” e alegando-se hipotéticas e falazes melhorias de condições de vida, votaram-se ao abandono quintas e casas de lavoura, propriedades e construções solarengas, na mira de para elas se conseguirem loteamentos e urbanizações, algumas delas de gosto bem discutível. … É o progresso, dir-me-ão os meus amigos! E contra isso, batatas!... Há que lhe pagar os critérios. Por outro lado, a população da vila tem de aumentar para poder evoluir. E se o tamanho físico não estica, há que enlatar as gentes em altura. Assim mesmo! Mas, meus senhores, façam-no em qualidade!... Temos exemplos de ao pé da porta, que nos indicam claramente os caminhos por onde não podemos ir. Aprendamos, para não repetirmos erros alheios. Exijamos que se construa uma localidade em permanente evolução, mas criando e mantendo espaços onde se possa respirar à larga, para que os seus íncolas se sintam presos à terra, e a população flutuante ou paraquedista sinta anseios de nela se fixar. E hoje apetece-me ficar por aqui. Nã deixo, porém, de lançar daqui um repto aos responsáveis de Ronfe, políticos ou outros: “Intervenham, meus senhores, junto da população, perante a autarquia ou face a qualquer outro poder constituído, para impedir que se tranforme esta nossa terra num local de asfixia, parado nas mentes e no tempo, hipotecado a interesses mesquinhos. Se assim fizerem, estou certo que a história falará de vós como fazedores do progresso!” Fiquem vossas excelÍncias muito bem. Escrevi "isto" em 21.05.2003. De lá para cá, digam-me o que mudou para... "Xau"